Desde que o Dialogando deu a largada na Jornada Negras Raízes: celebrando diversidade e consciência, falamos da importância das pessoas pretas no desenvolvimento de tecnologias, especialmente aquelas com a aplicação de IA (Inteligência Artificial). Esse é um caminho necessário na luta contra o racismo algorítmico e a sonhada equidade racial – luta bicentenária das populações negras, que, desde 7 de setembro de 1822, após o rompimento do Brasil com Portugal, vêm pedindo respeito e oportunidades em todos os setores sociais.
Também mostramos como ferramentas com o uso de IA podem aprofundar ainda mais o racismo estrutural no país. Não conferiu?
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O conteúdo preparado para você hoje pretende trazer, com base em pesquisas, quais as relações entre tecnologias digitais, raça e preconceito racial do ponto de vista de especialistas negras e negros – pessoas que pensam e agem para estabelecer justiça em frentes diversas: sociedade civil organizada, academia e universidades, mídia e imprensa, setor privado e setor governamental.
Falamos do estudo Prioridades Antirracistas sobre Tecnologia e Sociedade, levantamento que aplicou a metodologia bola de neve (com direito à indicação de cinco respostas) para buscar as principais preocupações entre os 113 participantes, das cinco regiões do país.
Confira.
IA e equidade racial: prioridades antirracistas sobre tecnologia e sociedade
#PraTodosVerem: gráfico com a lista de preocupações em relação à IA apontadas pelos entrevistados no estudo Prioridades Antirracistas sobre Tecnologia e Sociedade. Você confere cada uma delas, na ordem de menções, abaixo.
Agora, vamos entender cada um dos eixos apontados:
1. Epistemicídio e apagamento
No topo da lista das prioridades está o epistemicídio, que se refere à morte da construção do conhecimento, fenômeno comum quando uma cultura se sobrepõe a outra, criando formas de dominação política e ideológica.
Nesse caso, a pesquisa destaca o apagamento das contribuições negras, afrocentradas e antirracistas sobre tecnologia e aponta para o lado não neutro das inovações – fator que penaliza a justiça racial e a superação dos impactos de séculos de racismo.
2. Falta de diversidade e inclusão
A presença absolutamente desproporcional das pessoas pretas nas fileiras de produção, desenvolvimento, ideação, análise e controle das tecnologias aparece na sequência.
Para os especialistas entrevistados, a falta de diversidade e inclusão nos campos tecnológicos prejudica a população brasileira no todo, de forma individual e coletiva.
3. Inteligência Artificial e Algoritmização
No eixo da Inteligência Artificial, eis que aparece, em terceiro lugar, o impacto das tecnologias digitais emergentes que utilizam métodos algorítmicos e outros tipos de automatização para tomadas de decisão baseadas em dados de larga escala.
A tendência aflige os respondentes, já que há inúmeras provas de que existem nesses processos novas formas de manutenção e intensificação do racismo estrutural.
4. Vigilância e violência estatal
Aqui entra a popularização do uso de inovações cheias de vieses racistas como recursos muito utilizados na segurança pública.
Nesse cenário, tais ferramentas acabam perpetuando a violência estatal como forma de controle das populações pobres e racializadas. Por isso o reconhecimento facial, entre outras tecnologias biométricas, preocupa especialistas – suas utilizações na segurança pública e privada vêm contribuindo para o avanço da seletividade penal e o encarceramento injusto de pessoas negras inocentes.
5. Opressões interseccionais
Parte das respostas apontou de forma explícita o conceito e a teoria da interseccionalidade como central para a luta por igualdade e justiça racial.
O olhar interseccional sobre as opressões também leva em conta, de maneira indissociável, fatores como gênero, classe, sexualidades, capacitismo e outras variáveis políticas de identidade e corpo.
6. Empregabilidade e formação técnica
Na série de desafios, aparecem, na 6ª posição, a necessidade de formação específica e acessível para homens e mulheres negras para a ocupação de vagas no mercado de trabalho, em especial as oportunidades ligadas à programação e o desenvolvimento de softwares.
7. Privacidade de dados e cibersegurança
Aponta para as questões relacionadas ao compartilhamento (consentido ou não) de dados pessoais e a necessidade de promoção da segurança digital de cidadãos.
8. Desigualdade econômica
Na avaliação dos entrevistados, as disparidades raciais e econômicas na estratificação social – conjunto das inúmeras desigualdades que podem atingir as pessoas que vivem em sociedade – impedem o uso pleno das tecnologias digitais e habilitam novos tipos de exploração com impactos sempre maiores para as pessoas pretas.
9. Falta de espaços
Eles apontam a necessidade urgente da criação de espaços seguros, criativos e diversos para que as populações negras possam desenvolver potencialidades e produções alternativas fora das restrições hegemônicas.
10. Hiato digital: acesso e infraestrutura
Nesse eixo, os especialistas chamam a atenção para o permanente hiato digital sobre o acesso à internet e dispositivos de comunicação e informação, problema aprofundado nos anos da pandemia com a piora do quadro econômico do país.
11. Governança da internet e plataformização
Temas como governança da internet, representação negra em espaços multissetoriais de decisão e o perigo que a plataformização de serviços públicos representa, como o acirramento da desigualdade, aparecem na lista das principais preocupações.
Consideração legítima, já que a plataformização – fenômeno acelerado de forma emergencial e desorganizada com a pandemia – coloca uma série de barreiras às populações menos favorecidas quando condiciona o acesso às informações, aos direitos e benefícios sociais às plataformas digitais.
12. Discurso de ódio
O uso de ambientes online, em especial mídias sociais, para circulação de discurso de ódio e mensagens racistas contra pessoas negras; e a leniência percebida nas reações das plataformas tiveram menções significativas entre os desafios tecnológicos que separam, ainda mais, pessoas brancas de negras no país.
13. Hiato digital: habilidades
Comentários sobre o papel do hiato digital de segundo nível, ligado a habilidades para uso pleno e informado da internet e dispositivos digitais, também foram alvo de menções. O que reforça a necessidade de levarmos educação digital para a utilização dos recursos tecnológicos para as comunidades mais desfavorecidas com urgência.
14. Representação cultural
Entre as preocupações, está o reconhecimento da importância de representações positivas sobre negritude e tecnologia na mídia e na cultura de forma geral.
15. Legislação
Parte dos especialistas apontou como prioridade o trabalho para que a legislação ligada à regulamentação da internet e dos dados (como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados), além dos itens relativos ao combate ao racismo (como as Leis 10.639 e 11.645 sobre ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena), sejam cumpridas com efetividade.
16. Conexões com África e diásporas
Os entrevistados também consideram as barreiras para a aproximação intelectual, política, econômica e cultural com iniciativas e grupos provenientes de países africanos, da afrodiáspora ou de outras regiões para além dos EUA e da Europa Ocidental.
17. Territórios de resistência
Questões ligadas a territórios de resistência negra, como quilombos, favelas e periferias, foram mencionadas com frequência de forma articulada e conjunta.
18. Falta de transparência
Para os especialistas, outro fator a se considerar é a falta de informações e caminhos para promover a transparência dos setores privado e público na implementação, ideação ou gestão de tecnologias digitais.
Agora é sua vez! Se a gente usasse o mesmo método com você, e te pedisse para adicionar 5 às 18 preocupações levantadas pelos entrevistados do estudo, quais você mencionaria?
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