A solidão da mulher negra

30 de março de 2017

Se for homem, vai ser ainda pior.

Se for mulher, porém, talvez com bastante esforço consiga compreender um pouco.

Mas só o sexo feminino com a pele preta é capaz de sentir, mas, possivelmente, nem assim ter uma ideia completa do que é ter nascido mulher e negra.

Solidão.

Gerada e alimentada ao longo de mais de três séculos de escravidão, a solidão da mulher negra é um fenômeno social perverso. Historicamente, elas sempre foram preteridas pelos homens. Na senzala, eram usadas frequentemente para sexo com seus donos brancos. Tornavam-se mães solteiras. Eram libertadas antes porque a força de trabalho masculina era mais importante. A solidão era a consequência permanente em suas vidas.

Após o fim da escravidão, há meros 129 anos, a situação se perpetua até hoje com requintes de perversidade demográfica. Na população branca, é maior o número de mulheres, que acabam competindo pelos homens negros, que, por sua vez, preferem as brancas. “Em nosso imaginário cultural, as características raciais e fenotípicas da mulher negra – considerando a cor da pele, as características do cabelo, a estética – estão o tempo todo associadas a estereótipos negativos”, afirma a socióloga Ana Cláudia Lemos Pacheco em uma entrevista à revista Fórum.

O resultado objetivo dessa situação é uma legião cada vez maior de mulheres negras, a quem é negado, na prática, o direito ao amor, ao casamento, à construção de uma família – como se já não bastassem o racismo e o machismo. As consequências emocionais e psicológicas costumam ser devastadoras. Mas se há alguma chance de mudança nesse quadro, ela está na internet. Tem crescido cada vez mais o número de sites, blogs, canais no YouTube e grupos no Facebook nos quais essas mulheres podem soltar a sua voz e, mais importante, serem ouvidas. Os enfoques, abordagens e conteúdos variam bastante, mas todos esses espaços na internet têm em comum a busca pelo fortalecimento da autoestima da mulher negra.

E autoestima tem relação com a aparência, com a estética. É o caso da youtuber Aline Custódio. Ela diz que sempre teve dificuldades para encontrar orientações sobre maquiagem específica para a pele negra. Resolveu ela mesma criar um canal, Preta Aline Custódio, que hoje conta com diversos tutorais detalhados, além de dicas de cuidados com o cabelo.

Mas há as que são políticas, como Patrícia Rammos, criadora do canal Um Abadá Pra Cada Dia. Ela fala diretamente de temas complexos, como relacionamentos abusivos e genocídio da população negra, mas também de cultura afro. Há sites bem estruturados também, como o Superela, feitos por um grupo de mulheres, mas também homens – não só aceita, como pede colaborações. Amor, sexo, autoestima, corpo, vida, carreira & finanças, beleza e estilo são os principais temas, subdivididos em outros mais.

Os canais construídos e mantidos por mulheres negras são inúmeros seria impossível falar sobre todos eles, à medida que novos surgem a cada dia. O que importa é que, pela primeira vez na história, graças à internet, elas estão tendo voz – e imagem, essencial na autoestima. “Nossa estética não é piada ou fantasia de carnaval”, diz Lívia Teodoro, a blogueira de Na veia da Nega. “É ancestralidade e deve ser encarada e respeitada.”

Fonte: Dialogando - A solidão da mulher negra Dialogando

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Comentário(s)

  • Simples de entender mesmo como homem. É comparável a solidão do homem pobre que tem 30% a mais de chance de acabar separado após ficar desempregado.

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